terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Novo Ano Novo

O povo Aymara vive, a séculos, às margens do lago Titicaca, de águas plácidas e cujos por-do-sol, de uma beleza deslumbrante, o Paulo Queiroz Maia fotografou antes de se mudar para Gatineau.



Paulo, em Gatineau /Canadá

Lago Titicaca (foto: Paulo Queiroz Maia)

No século XI, o imperador Aiamepurt recebeu a notícia que o fim dos tempos estava chegando e que ele precisava preparar o seu povo para este dia. Depois de ouvir o Conselho dos Anciãos e de muitos estudos e consultas aos livros sagrados o imperador decidiu fazer um pedido ao seu povo. Sim, pedir, pois diferente de outros imperadores e governantes de antanho e atuais, o imperador Aiamepurt não ordenava; ele pedia e o povo só realizava se achasse justo o pedido.

O imperador anunciou que a única forma de evitar o fim dos tempos era construir um grande sino de prata, que nessa época era abundante e ainda não tinha sido saqueada pelos invasores espanhóis, e que no dia anunciado como o do fim dos tempos todos deveriam se reunir na Praça Maior e badalar (naqueles tempos esta palavra só queria dizer bater o sino) o grande sino com devoção e disciplina, como procura fazer as suas ações a Moema do Prado Pereira Maia.

Moema


Assim foi feito.

A fé foi tão grande e o som daquele sino foi tão bonito que o que seria o fim dos tempos foi apenas o fim de um dia e o fim de mais um ano.

Naquela noite o imperador aproveitou para pedir a seu povo que buscasse, sempre, os sete diferentes tipos de paz.

O Tadeu e o Samuel e o Tomás Maia e todos nós também devemos buscar estes sete diferentes tipos de paz.

Tadeu, Samuel e Tomás

O primeiro para dentro de si. Consigo próprio, na saúde do corpo, na lucidez da mente, no prazer da vida, na correspondência de seus amores. Sem paz consigo, não se está em paz.

A segunda é para cima. Com os espíritos dos antepassados, com a vontade suprema. Se não se está em paz com o mundo sobrenatural, com a metafísica da existência, a paz fica incompleta.

A terceira é para frente, com o seu passado, como sabe desde remotos tempos o povo Aymara. Com remorsos, culpas dívidas – principalmente as morais – não pagas, arrependimentos – inclusive do que não fez – não se está em paz.

A quarta paz é para trás, com o futuro. Quem tem medo do que virá, está assustado com dívidas a pagar, com o emprego incerto, esperando más notícias, não está em paz.

A quinta é para o lado esquerdo, com seus próximos. Sem a paz familiar não há paz. A disputa doméstica, o descontentamento com familiares, tira o sentimento de paz.

O sexto é para o lado direito, com seus vizinhos. Não adianta a paz em casa se, do outro lado da rua, estão a ameaça, a maldição, o descontentamento.

A última paz para baixo, com a terra em que se pisa, de onde virá o nosso sustento. Se vier tempestade, se o solo secar ou tremer, não haverá paz.

Somente assim a paz será completa.

Muitos e muitos anos depois daquele primeiro dia de um Ano Novo o poeta Carlos Drummond de Andrade, que nasceu no dia 31 de outubro, mesmo dia do aniversário da Maria Queiroz Maia, escreveu:

Maria

“O último dia do ano
Não é o último dos tempos
Outros dias virão.”

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