terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Quem sou eu? Dedê Maia - 1ª parte

Relato de Djacira Maia:
"Essa é uma prazerosa e árdua tarefa!!! Prazerosa por que me leva inicialmente a uma viagem de mil matizes e sabores diversos vividos em minha infância e que sem dúvida nenhuma é à base desta minha “velhice” doce. Árdua por que ao embarcar nessa viagem não posso me omitir - nem que os pensamentos fujam aflitos - em rever meus “retratos em branco e preto”; rever em fim os “varadouros” percorridos com pés de chumbo, embora, quase sempre, com espírito de guerreira retirando os “balseiros” para continuar a jornada.

Vamos lá!

Eu sou a primeira filha de Ester Maia de Oliveira e Nilo Lemos de Oliveira, irmã de Glória (Lu) Concita e Dodôra; primeira neta do vovô Benedito e vovó Laura.








Na verdade a primeira neta mesmo foi minha querida prima Creusa, filha mais velha do tio Alan. No entanto, por questões que nunca fiquei sabendo os detalhes desses “arranca rabos familiares” entre a família da mãe da Creusa (tia Odiva) e membros\raízes dessa trupe Maia Pega Pinto, minha prima foi privada de freqüentar a casa dos avós paternos durante algum tempo. Por isso fiquei no reinado dos meus avós e de minhas tias e tios como se fosse a primeira e a única. Foi uma circunstância que me rendeu muitos dengos, segundo minha querida tia\mãe Zilma. Considerando ainda que o meu nascimento aconteceu no barracão dos meus avós em 10 de março de 1945 e onde permaneci durante toda minha primeira infância, criada por minhas tias Zilma e Áurea, que me cobriam de cuidados e carinhos enquanto minha mãe concluía seus estudos do magistério e trabalhava para ajudar no sustento da família juntamente com meu pai.

O vovô Benedito, embora já doente, também participava desses cuidados. Lembro com o coração alagado de emoção dos momentos que me acolhia em seu colo, sentado em sua cadeira de balanço postada em uma pequena varanda na entrada do barracão. Como o barracão era muito alto ele só permitia que eu ficasse na varanda se fosse ao seu colo. De lá ele ficava olhando a rua (e eu também) a espera de uma viva alma passar para trocar cumprimentos. Dessa varanda minha curiosidade de menina ainda avistava a casa do seu Tentem e de Dona Vicência, pais do Antônio Júlio que mais tarde casou com minha tia Zilma. Esses eram os únicos vizinhos do qual tenho lembranças e com quem o vovô sempre trocava algumas prosas.

A rua da nossa casa ficava animada de gente e aguçava a curiosidade de todos quando passava algum funeral. O barracão do vovô ficava bem próximo do cemitério (o único da cidade) e todos os funerais obrigatoriamente tinham que passar em frente a nossa casa. Lembro que era sempre um corre-corre na casa quando algum se aproximava. Todos queriam saber quem tinha morrido e de que. Eu não entendia bem o que significava aquilo tudo. Lembro que era confuso na minha cabeça infantil. Ainda mais que a explicação que meus pais, tios e tias davam a fim de atender a minha curiosidade era que “fulano ou beltrano tinha ido morar com papai do céu”. E eu perguntava: - Mas por que então enterrar se o céu era lá em cima? Por que então a gente não via a pessoa subindo? Não lembro das explicações dadas, só sei que esses mistérios povoaram minha infância.

Fui batizada com o nome de Djacira, nome escolhido pelo vovô Benedito, que no fundo torcia pela chegada de um rebento para o qual já havia escolhido o nome: João Batista. Minha mãe e meu pai haviam escolhido Djacir, caso fosse um filho homem como eles também desejavam. Como contrariei todas as expectativas da família o vovô acrescentou um “a” ao nome escolhido pelos meus pais e assim foi a origem do meu nome. Na verdade esse nome quase nunca eu escutava ser chamado, a não ser quando meus saudosos pais me repreendiam por alguma peraltice que eu havia feito. Os apelidos eram Dejá, Dejinha, Djacirinha, Dejoca, Deda, Dê e ficou Dedê, mãe Dedê, tia Dedê, vovó Dedê, até os dias de hoje. Gosto do meu apelido. Ele é na verdade parte de minha identidade.

A partida do vovô Benedito quando eu tinha três anos de idade foi minha primeira sensação de perda e minha primeira experiência com a “morte” no seio da família. Foi também minha primeira experiência com o mundo espiritual. Durante alguns dias, após os funerais do vovô, com muita tristeza e saudade envolvendo todos da casa, eu tive a sua companhia que embalava e confortava minha saudade inocente. Lembro que num desses momentos, eu estava à porta da cozinha do barracão, ao pé de uma escada muito alta, protegida por uma meia grade de madeira, quando avistei o vovô com a mesma roupa com que lhe tinham vestido para a sua partida: terno listrado de cinza e preto, calça preta, camisa branca, gravata preta e sua bengala inseparável que lhe ajudava em suas caminhadas. Ele vinha caminhando do fundo do quintal em direção ao barracão em passos bem lentos como muitas vezes lhe apreciei em vida. Tudo aquilo me parecia tão real que não me contive e gritei: - “O vovô! O vovô ta vindo ali! Eu vi!”. Lembro que foi um alvoroço! Todos ficaram muito preocupados comigo achando que eu estava tendo aquelas visões por ter presenciado a passagem dele, portanto impressionada. Naquele momento de minha vida, com apenas três anos de idade, não tinha o que argumentar com meus pais, tios, tias e minha avó Laura que tentavam me distrair dessa experiência (preocupante para eles) com carinhos e agrados. Guardei comigo essa experiência e a certeza de minha visão ao longo de minha vida como se guarda um tesouro.

Hoje, como aprendiz da espiritualidade dos seres e da comunicação com o mundo espiritual sei que realmente meu vovô Benedito estava ali. Como bom espírita que era creio que ele me escolheu naquele momento para afirmar a todos da família que a vida não é só material; que nossa existência continua no mundo espiritual que é o nosso mundo de origem e real. Nessa oportunidade de comunicação com vários membros dessa trupe, descendentes dos “Maias Pega Pinto”, crédulos e\ou incrédulos, embora tantos anos passados, eu repasso essa mensagem do nosso querido vovô Benedito.

Pouco tempo depois da partida dele a nossa vovó Laura adoeceu gravemente. Sofreu um derrame cerebral, doença essa que lhe impôs uma vida quase vegetativa. Era muito frustrante conversar com ela, pois nunca lembrava de mim. Aliás, de ninguém. Depois de muita insistência, afirmando quem eu era e tentando aguçar as suas lembranças ela exclamava: - Ah! Você é a Djacirinha! Logo depois caia em seu mundo solitário que sabe Deus em que universos navegava!

A vida continuou e nesse recanto da Amazônia Ocidental, que ainda era um território na época do meu nascimento cresci embalada pelas cantigas da lua que ajudava as minhas tias Zilma e Áurea a me criar




Tia Áurea



Tia Zilma


(... lua, luar toma essa menina e me ajuda a criar...); correndo pelo terreiro atrás dos pintos da vovó Laura; fugindo de casa e pegando carona na carroça do leiteiro para me embrenhar nas colônias (aventura essa que me custou muitos castigos); subindo nas mangueiras que sombreavam os quintais e as ruas tranqüilas da cidade; tomando sorvetes de cupuaçu e graviola na sorveteria do seu João Bodinho que era casado com a Regina, irmã da tia Maria, mulher do tio Tancredo; desafiando os meninos com minha bicicleta (nessa época se contava nos dedos quem tinha uma) para vê quem descia a ladeira da maternidade de mãos soltas; cursando o primário no Grupo Escolar Presidente Dutra onde minha mãe era a diretora e por isso exigências mais severas quanto a minha conduta; brincando de jogar “pedrinha” de mármore do cemitério durante os recreios; tomando as sopas suculentas e nutritivas (couve, jerimum, quiabo, maxixe, carne e arroz) da merenda escolar (isso que era merenda escolar!); comendo cajá, cajarana, goiaba, tamarindo, ingá; chupando manga, tomando abacaba, açaí, buriti, patoá, caldo de cana, tacacá; acordando de madrugadinha para ir ao mercado (hoje o Mercado Velho) onde meu pai tinha um armazém (“Casa Comercial Nossa Senhora Auxiliadora”)




a fim de tomar mingau de banana, comer bolo de macaxeira, beiju, tapioca e pão de milho ao leite da castanha da “vovó Olívia” (avó por parte de mãe do Tancra, Tancremildo, Mário César, Laura, Olívia e Digú).


Vó Olívia

As lembranças são tantas! Vejo-me ainda vendendo graviola para ir à matinê dos domingos assistir aos seriados do “batiman” no único cinema da cidade em frente à praça do palácio após levar uns bons “caldos” na piscina do Coronel Fontenele juntamente com meus primos Humbertinho, Creusa e Mariazinha (que depois virou o Casarão bar e restaurante, ponto de encontro dos intelectuais, artistas, estudantes, políticos, etc, etc,); me fartar com as comidas sírias (charutos e os quibes de forno) da tia Odiva e ter assistido a missa das nove horas. A missa era obrigatório e se não fosse não tinha passeios, brincadeiras, nada.

Muito vivas também as lembranças das brincadeiras com meus primos e primas nos animados e apetitosos saraus na casa do tio Tancredo e tia Maria. Eram momentos que reunia todos da família. Acho que os encontros dessa trupe Maia vem desde esse tempo. (continua. Aguardem a segunda parte).












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