sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Quem sou eu? Dedê Maia - última parte

A última parte do depoimento da querida Dedê, com grandes revelações:

"Em 1973, o casamento com o pai dos meus filhos foi desfeito depois de algumas idas e vindas, com amarras que pareciam nunca mais se soltar. (me desculpem, mas esse é um capítulo doloroso, com muitos espinhos, eu vou pular). Desse tempo apenas registro o meu fascínio e minha adoção ao movimento\filosofia “ripe”, levantando a bandeira “paz e amor”.

Em fim, retornei para Rio Branco.

Nesse retorno, por ironia do destino, fui morar em um bairro chamado Floresta. Poucas casas e a maioria dos moradores eram “colonheiros” (famílias que moravam em pequenas extensões de terra denominadas de colônias). Eram antigos seringueiros que migraram dos seringais em decadência, decorrência da expansão da frente agropecuária que começou a se instalar no Acre com toda a sua força no início da década de 1970 e passaram a sobreviver de uma pequena criação de animais domésticos e agricultura de subsistência dentro dessas colônias.

Os encontros com esses vizinhos de conversas amistosas, relatos recheados de lembranças dos seringais a luz da lamparina que ardia às narinas fizeram com que ressurgisse meu interesse em retomar a trajetória do “magistério político” interrompido com meu casamento e com o golpe militar em 1964.

A alguns membros dessas famílias comecei a ministrar aulas a noite. As aulas eram gratuitas, mas compensadoras em vê-los felizes ao descobrirem os códigos da escrita e da leitura. Creio que a paixão pelo magistério foi influência de minha mãe, dedicada professora de grande parte dos acreanos em diferentes décadas. E o “magistério político” foi uma conseqüência de minha formação “Paolofreireana”.

Foi nesse tempo que encontrei o antropólogo Txai Terri Valle de Aquino (pai do Lucas Mana). Foi paixão a primeira vista. Nem tanto pela sua figura física. Estatura mediana, quase raquítica, como todo bom nordestino e acreano de coração e alma. No entanto, logo conquistou um grande número de admiradores (e seguidores) pelo seu estudo e trabalho em defesa dos povos da floresta. Eu fui uma delas.

Dele ouvi os relatos de suas andanças pela floresta, dos povos que ali habitam e suas histórias marcadas a ferro e a fogo como gado. Esse encontro redespertou a consciência de minha história e de minhas raízes também indígenas como todo o povo acreano. Naquele momento da minha vida foi uma luz no final do túnel!

Foi assim que em 1977, após morar três anos em Brasília onde fui tentar dar continuidade aos meus estudos, a convite do Txai Terri e de minha irmã Concita (na época casada com Txai Terri) ajudei a pensar e a implantar a primeira escola indígena letrada entre os Kaxinawá do rio Humaitá, município de Tarauacá. E lá fui eu, empurrando canoa, recheada de ansiedade, receios, mas também determinação e muitos sonhos. Um deles era contribuir para uma vida mais digna e humana entre os povos da floresta. Estou escrevendo essa história, tendo como referência meus diários de campo desse tempo e breve publicarei com o título “Viagens pelos Rios do Interior”. Aguardem!

Durante o retorno dos Kaxinawá, povo que se autodenomina de Huni Kui, (Gente Verdadeira) início de 1979, eu, Concita e vários outros companheiros fundamos a Comissão Pró Índio do Acre na qual trabalho até os dias de hoje como assessora do programa de educação - “Uma Experiência de Autoria” e coordenadora do Centro de Documentação de Pesquisa Indígena dessa referida entidade. Porém esse ciclo está sendo fechado. Serei Pró Índio eternamente e em qualquer lugar, pois não é algo institucionalizado dentro de mim e sim habita a minha consciência e o meu coração. Pretendo ainda realizar alguns trabalhos através do governo do Acre, do qual sou funcionária desde 1988, lotada na Fundação Cultural e em seguida pensar na minha merecida aposentadoria. Tenho outros sonhos a serem realizados ainda nessa passagem terrena. Espero poder realizá-los.

Esse trabalho pela nossa floresta de jóias foi de muitos aprendizados e me proporcionou viajar e conhecer os rios do interior (nos dois sentidos); encontrar meu amor “primor de flor” depois de dois casamentos frustrados. Pensei que fosse para toda a vida. Depois aprendi que “para toda a vida” não significa “para sempre” nessa vida terrena. Ficou para sempre no coração. Como um passarinho bateu asas e voou. À distância aprecio os seus vôos e torço pela suas conquistas e vitórias.

Essas andanças também me permitiram mergulhar nos mistérios e nas forças dos altares do ritual do Nixi Pae, Camarãmbi, Huni, Ayuaska (os ocidentais chamam de Santo Daime), aprendizados que fortaleceram mais ainda o meu respeito pelos povos da floresta; pela vida espiritual; pelos meus laços familiares. Ainda revitalizaram o meu fascínio pelas artes e pelas histórias dos encantados quando mergulhei nas pesquisas sobre a arte do kene do Povo Huni Kui. Kene na língua desse povo significa desenho, escrita. São padrões gráficos encontrados em suas pinturas corporais, nas cerâmicas, na tecelagem em palha e algodão. Segundo uma das histórias de origem foi Yube, um Huni Kui encantado na cobra Jibóia quem deu esses conhecimentos para eles. Essa pesquisa além de ter me alimentado com conhecimentos vários, me incentivou ainda a brincar com o barro e criar miniaturas em argila e me lambuzar de tinta pintando algumas telinhas. Preciso levar esse trabalho mais a sério, como diz minha irmã Concita. Eu chego lá!

Esse convívio com os povos da floresta ainda fortaleceu em mim o valor de se ter amigos; o respeito pelos inimigos; a reverência pela a mãe natureza; o olhar o mundo com os olhos do coração; ensinaram-me que a chuva só cai no seu tempo certo; que a paciência e a perseverança são as chaves da realização. Isso tudo lapidado aos pouquinhos, perseverando sempre, pois os cancros enraizados pelas vivências infelizes e equivocadas ao longo da vida são profundos.

Eu sou esse ser, porém cheia de defeitos vários ainda. Contudo procurando e perseverando em superá-los, ou pelo menos entendê-los a fim de minimizar as conseqüências. Sou um ser que ainda embala alguns sonhos; que gosta da sua solidão (sem ser solitária); que ainda se encanta com o entardecer e o amanhecer do dia; adora os passarinhos; conversa com as plantas; que se emociona com cada flor que brota em seu jardim; que acredita em Deus; acredita que essa vida aqui é uma passagem; que viemos de um mundo espiritual e para lá iremos retornar; que se preocupa em entender a sua missão aqui nesse planeta Terra e fazer o melhor que puder. Sou um ser descrente dos políticos (já fui militante do PT em sua formação); sou a favor da democracia leal e transparente; sou pelo amor; sou pela paz!

Posso dizer que sou um ser feliz, ao lado dos meus filhos, dos meus netos que são “doces” que se somam aos “doces” de minha infância e que ajudam a adoçar a minha “velhice”. Sou feliz por ter tantos entes queridos e por fazer parte dessa trupe Maia Pega Pinto da qual muito me orgulha em pertencer.

Agradeço a Deus, todos os dias, por tudo isso!

Um comentário:

Anônimo disse...

Livinha diz:
Ah! que pena que acabou...(o relato) pois essa tragetória de estrela que brilha, cintila cada vez mais forte em nossos "céus". Fiquei com um gostinho de quero mais... foi (é) lindo esse vivido. Com a dose certa de informação, formação e tesão... Te amo prima! Comento depois. Mas sou muitissimo impulsiva e não resisti dizer-te essas breves palavras. VALEUUUUUU!
beijos.