quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Quem sou eu? Dedê Maia - 2ª parte

Continuamos com o delicioso relato da Dedê:
Quantas lembranças prazerosas! Lembro do dia que meus pais me deram de presente um piano. Era sonho deles que eu fosse uma pianista. Embora a escolha fosse dos meus pais foi com prazer e muita curiosidade que comecei a estudar esse fantástico instrumento e a freqüentar as aulas de D. Maria Costa que me dava tapas na mão quando eu errava a escala de dó ré mi fá sol lá si dó. Com essa metodologia carrasco não me animei muito. Nem poderia! Mais adiante passeia estudar com a professora Selva Leite, pianista que tocava órgão durante as missas na igreja. Era um olho na missa outro na pianista. Confesso que era mais na pianista do que na missa. Essa professora, ao contrário de D. Maria Costa, estimulava minha tendência a tocar de ouvido. Embora me incentivasse também ao estudo teórico e a prática das inúmeras escalas. Bem mais adiante fui estudar em um conservatório no Rio de Janeiro. Nesse espaço o estudo era mais rígido e meus vôos criativos foram severamente tolhidos. Perdi o tesão. Eu gostava mesmo era de tocar de ouvido ou ficar criando os meus acordes malucos os quais, de alguma forma, se harmonizavam. Sempre gostei de criar, ousar, desbravar, desafiar os limites que se apresentavam.

Nessa viagem de lembranças com várias nuances, a memória desenha com traços marcantes o carrossel de cavalinhos do padre José e padre Peregrino; os bodós e o chocolate quentinho coberto com mujangué da vovó Olívia, barracas concorridas nos divertidos arraias em frente à igreja São Sebastião. Desenha ainda os passeios noturnos na praça (quase sempre aos domingos) me encantando com as retretas produzidas pela banda de música da guarda territorial, especialmente com a tumba, instrumento que atiçava a curiosidade de toda a garotada.
E os doces do Chico Padeiro? Ah! Tenho certeza que esses adoçaram a infância de todos nós! E lá vem ele adoçando essas minhas lembranças! No seu tabuleiro de madeira era uma variedade que até hoje dá água na boca: bom-bocado, suspiro, cocada... Tinha um biscoito, redondinho com côco no meio que era o meu preferido.

As lembranças deslizam que nem canoa num rio de águas mansas e me vejo nas catraias que nos levava de um lado ao outro do rio, único meio de travessia dos moradores durante muitas décadas. No tempo das cheias do rio guardo também na memória a chegada das “chatas” e navios, embarcações que vinham de Belém ou Manaus e que eram a novidade da cidade, atraindo um grande número de pessoas a comprar as bugigangas dos marreteiros refinados ou simplesmente saciar a curiosidade provinciana. No tempo de verão, a memória desliza nos divertidos banhos nas praias da Base e Cadeia Velha. Os da Cadeia Velha, a maioria deles foram escondidos de meus pais, a fim de encontrar com a mãe d’água ou apreciar o bôto que encantava as mocinhas faceiras. Mais adiante os mistérios do rio eram outros diante dos meus olhos alagados de emoções e encantos. Num acesso de poesia escrevi:

Oh! Rio de água mansa que não cansa de correr
Carrega a flor da paisagem e o barranco a gemer

Quantos sonhos tu carregas? Quantas vidas tu repartes?
Oh! Rio de água mansa que não cansa de correr.

Meu coração vareja pelos rios do interior
E na força da floresta vejo os olhos da cabocla alagados de amor

Oh! Rio de água mansa que não cansa de correr
Carrega a flor da paisagem e o barranco a gemer

Minha infância foi assim, recheada ainda de histórias dos encantados que meu pai contava a boquinha da noite me fazendo sonhar sonhos nunca mais sonhados. Como é doce recordar esse tempo! Posso afirmar que fui uma criança feliz!

Em meados de 1957 mudança radical da minha família nuclear. Todos os membros foram para a cidade do Rio de Janeiro. Meus pais foram tentar a sorte. Aventuraram-se de mala e cuia, incentivados pelo tio Mário, irmão caçula de minha mãe que nessa época concluía seu curso de medicina no Rio de Janeiro.

Nesse tempo a maioria das mulheres não precisava estudar muito e sim arranjar um bom marido que lhe assegurasse o futuro. Com essa perspectiva medíocre e mercantilista concluí apenas o ginásio nesse tempo vivido na cidade maravilhosa que confesso também me encantou com suas montanhas, arranhas céus, praias imensas de areia branquinha e água muito salgada. Mas também foi um tempo difícil para todos nós: choque cultural; baixo poder econômico da família; desestruturação familiar (minha mãe foi obrigada tempos depois a retornar sozinha para Rio Branco a fim de ajudar a sobrevivência da família naquela selva de pedra); perda de bens materiais... O que mais lamento até os dias de hoje foi a perda do meu piano que entrou na dança para pagar dívidas que se avolumavam deixando a nossa família em situação muito difícil. Mas ficou a experiência e a lembrança de pais guerreiros que nos legaram esse exemplo de nunca desistir da luta e sempre recomeçar a vida quando necessário for.

Final de 1962, minha mãe resolveu levar toda a família de volta para nossa terra natal. Embora já pronta para casar e noiva de aliança e “enxoval” encaminhado retornei com meus pais para casar mais adiante.

Em Rio Branco desafiei o meu destino decretado e reiniciei meus estudos, escolhendo o magistério como minha meta profissional. Engajei-me num movimento de educação popular, liderado no Acre pelo sociólogo Hélio Cury e me empolguei com o “magistério político”, linha “paulofreriana” que comecei a estudar com entusiasmo. No entanto, em 29 de julho de 1963 a fim de fazer o gosto da família eu casei com Climério Rodrigues Coube, carioca e economista de profissão. Casei em Rio Branco, de véu e grinalda, com flor no cabelo feito coque que mais parecia um ninho de passarinho, segundo minha prima Olívia.

Meu casamento que reuniu toda a sociedade acreana foi realizado juntamente com o casamento de minha prima Creusa. Esse casamento me levou novamente para o Rio de Janeiro e mais uma vez meus sonhos profissionais foram guardados e adiados.



Dedê e Climério

Climério e Dedê, Nogueira e Creuza, com Dodora, à esquerda, como dama de companhia

Embora não tenha sido o grande amor de minha vida, Climério foi um companheiro com o qual vivi 10 anos e por ele tenho um enorme carinho, respeito e gratidão por ter me dado o que de mais precioso tenho em minha vida que são os meus três filhos: Maria Esther Oliveira Coube (42), Marcelo Oliveira Coube (40), Patrícia Oliveira Coube (38). Através de minhas filhas Maria Esther e Patrícia, Deus me concedeu o privilégio de ser avó de Lucas Coube Lemes (19) (filho de Esther e Lourival Lemes), Maria Clara (Filha de Esther e Fávio Fontes. Estrelinha que brilha no céu e que Deus levou poucas horas de nascer. Se fosse viva hoje teria 12 anos); Luiza Coube Fontes (5) (filha de Esther e Flávio Fontes), Antônio (5 ) e Francisco (4) (filhos de Patrícia e Paulo Borges), netos queridos, outras preciosidades que preenchem meu coração de todos os sentimentos bons.

Nossa! Como tenho história pra contar! Então vamos lá, pois estou inspirada. (continua)



Amanhã a 3ª e última parte deste emocionante, cativante e apaixonante relato.

Nenhum comentário: